O ocaso já se encontrava presente no horizonte, irradiando em cores de dourado e magenta. Entre os limites geográficos do Acampamento Meio-Sangue – lar e morada de muitos dos semideuses gregos – alguns dos campistas se mantinham ocupados em atividades inatas como a canoagem, o hipismo e principalmente o aprimoramento de habilidades em batalha e ou, sobrevivência. Parte destes eram louvados com tamanha perícia e êxito de seus atos, sendo vencedores consecutivas vezes. A outra metade, bem, não era muito perita no assunto.
Continuei meu trajeto calmamente, recolhendo ambas as mãos para dentro dos bolsos traseiros da calça. Àquele dia completava minha primeira semana de estadia no camping. O clima estava ensolarado, não passando das quatro da tarde e os termômetros deveriam apontar mais ou menos 25°C. A atmosfera presente fazia-me sentir certa nostalgia de minha cidade materna, New Orleans, situada no EUA.
Aparentemente meu organismo não demonstrava nenhuma necessidade por alimento naquele momento. Um alívio para mim, já que a esta hora do dia o refeitório estava sempre lotado, principalmente pelos bastardos de Ares, a quem eu tanto odiava. Aspirei o ar fresco ao redor, relaxando os músculos. A decisão por fim, era ir aos estábulos para um breve treino de quitação junto ao chalé de Deméter. Para seguir meu caminho desejado, antes, tive que passar pela arena e claro, sem deixar de chamar a atenção de outros semideuses pelo caminho, acenando cordialmente aos conhecidos.
✶✶✶
Ao longe conseguira distinguir uma silhueta pequena e feminina de pouca idade, talvez um ou dois anos mais jovem que eu. Combatia uma enorme fera de pelugem bicolor, metálica, nas quais alternavam entre o vermelho-sangue e o escuro, como de fosse composto pelas mais sombrias formas. Do lugar onde julguei ser as narinas, puro vapor escapulia, o que me parecia ser bastante estranho, até. A garota levava a pior, e parecia que seus ataques nem surtiam tanto efeito quanto os da fera que usava toda a sua selvageria e brutalidade para com a semideusa.
Tomado pela insuportável necessidade de ajudar aquela pobre alma, decidi aproximar-se um pouco mais para poder ter uma visualização melhor do alvoroço. Os demasiados campistas que se apresentavam presentes estavam ocupados demais para prestar serviços, e assim que foquei meus orbes azulados sobre a figura que lutava contra a criatura, pude notar que era uma de minhas meias-irmãs – os traços físicos desleixados apontavam a perspectiva, além de que já a vira antes rondando o chalé XVI.
Aquela era uma novata, porém seu corpo emanava tal aura propícia a tragédias como qualquer filha de Éris veterana. Pressionei os dedos contra a luva negra, ornamentada por um couro fumê que circundava meu punho e calmamente, ao engatar o polegar sobre o compartimento, o apetrecho alongou-se em minhas mãos, donde garras douradas retráteis expandiram-se verticalmente, reluzindo à iluminação baça do ambiente.
A fera derrubara a minha irmã no chão e já se preparava para o seu suposto golpe final. Nesse momento, acelerei meus passos e quando dei conta, me encontrava entre o Cão Infernal e a semideusa – que estava visivelmente desgastada -, caída ao chão enquanto me olhava com seus olhos claros e confusos. Elevei a mão até uma altura significativa sobre a cabeça e girei o punho, transgredindo as garras embebedadas em veneno contra a cabeça da besta que urrou e cambaleou. Certamente, conseguia manejar o armamento com total facilidade, onde o mesmo parecia uma extensão de meu corpo, dando-me destaque em grandes manobras e movimentos com a arma em questão. Era como se tal arma fosse minha marca, minha companheira, o que ocasionava sempre num foco maior em meio objetivo em batalha.
▬ O que você pensa que esta fazendo, garoto? ▬ Indagou a garotinha, perplexa pelos meus atos.
▬ Ajudando a você. Oras. ▬ Revirei os olhos, focado na criatura mitológica, que parecia estudar meus movimentos. A besta recuou alguns passos e então liberou um latido que retiniu pelo âmbito. Uma máquina? Talvez, meus pelos eriçaram diante o seu tamanho e senti um leve arrepio pelas minhas costas. Nunca havia enfrentado tal criatura de igual destreza e altura antes, mas não poderia deixar uma de minhas irmãs, indefesa, ser massacrada e destroçada com tamanha facilidade.
O Autômato Infernal investiu, erguendo a grande pata e movimentando-a de cima a baixo contra o meu rosto. Consegui passar o peso do meu corpo de um pé para o outro, desviando-me do ataque devido a minha boa forma excepcional, mas sabia que não tardaria para a criatura tentar investir novamente. Minha agilidade ainda era amadora e não poderia me livrar sempre.
Estiquei o pulso, movimento a lufa retrátil, fazendo-a cortar o ar e alvejar a corcunda do animal. Ao entrar em contato com a pele do cachorro as garras pontiagudas liberaram um líquido esverdeado que possivelmente enfraqueceria um pouco o cão. Deslizei meus pés para o lado, realizando movimentos circulares do pulso novamente. A criatura de Hefesto balançou a cabeça e movimentou-se mais uma vez em minha direção, só que dessa vez, dissipou-se em uma espécie de sombra, desaparecendo de meu ponto de vista. Pisquei um pouco atordoado e tentei localizá-lo rapidamente, sem êxito.
▬ CUIDADO! ▬ Alertou-me a moçinha, mas antes que eu pudesse compreender, fora tarde demais. O cão havia surgido às minhas costas e me pegara de surpresa, passando sua pata enorme contra as minhas costas, obrigando-me cambalear para frente, sentindo uma queimação constante no local atingido.
Trinquei os dentes e pisquei um pouco mais forte, tentando conter a dor do local. Era uma de minhas melhores camisas. Bufei e mesmo com a pouca mobilidade causada pelo ataque, me virei e impulsionei meu braço para frente, infincando as garras da luva contra o calcanhar do bicho, deliberando outro punhado de veneno no golpe que o exauria de mais energia. Segurei a base da luva com a outra mão e puxei a arma com um solavanco, desprendendo-a e deixando um visível estrago nos pelos da pata do monstruoso cachorro de metal. Era cômica a forma de como minha mente formulava tais insultos em horas tão inapropriadas e foi por tal linha de raciocínio que abanei o rosto, afastando tais pensamentos sutis.
▬ Se você quiser ajudar maninha, eu não me importo, sabe! ▬ Ironizei, franzindo o cenho e lançando um olhar severo para a semideusa. Voltei minha atenção ao monstro, pensando em alguma coisa em que poderia fazer.
O monstro latiu novamente, aparentemente enfurecido, porém, já mancava da pata alvejada. Correu novamente em minha direção, sem tanta velocidade quanto ao ataque anterior, abrindo a mandíbula e tentando abocanhar a região de meu pescoço. Prendi a respiração e impulsionei meu corpo para trás, desviando do ataque funesto. Apertei a base da luva entre os dedos e deferi a parte não laminada contra o crânio do animal com toda a minha força latente no momento, acertando um dos seus olhos entreabertos. O cão infernal urrou de dor, girando o corpo, batendo com o dorso contra o meu peitoral, impactando-me para trás. Cai sentado, quase sem fôlego.
A garotinha aproximou-se com um chicote empunhado em mãos – na mesma cor dourada de meu armamento. Aparentemente recuperada. Poderia ser pequena, mas era bastante veloz para alguém de sua idade. Deferia várias chicotadas contra as costas do cachorro, fazendo-o recuar, liberando ruídos e lamentações dolorosas. Enfim, a filha de Éris parecia bastante focada no que fazia e acabou por não perceber que o cão desaparecia novamente em sua espécie de teleporte das sombras e reaparecia ao seu lado após alguns minutos, pegando-a de surpresa e cabeceando a lateral do corpo pequeno da semideusa, jogando-a longe, caída ao chão, desnorteada.
Filetes de sangue deslizavam pelo local tomado como alvo em meu peito, onde pareciam que três garras afiadas havia regressado por ali. Senti uma grande dor no ferimento e acabei por pausar a mão livre sobre o local que ardia ferozmente. A criatura infernal ainda se contorcia pelo chão, tentando recompor-se devido ao ataque deferido em seu olho leitoso completamente carmesim. Suspirei pesadamente, sentindo os músculos contraírem e ficarem tensos devido ao tamanho esforço.
Tentei colocar-me de pé, sentindo as pernas bambearem um pouco. Segurei firme a empunhadura de minha arma, passando os olhares pela figura monstruosa a minha frente. Teria que fazer alguma coisa e rápido, antes que o Autômato Cão Infernal reivindicasse e investisse novamente contra mim ou minha irmã, talvez ambos, causando estragos piores. Rodopiei o braço e a garras metálicas da luva enlaçaram diretamente no pescoço do cão que uivava e latia, tentando se livrar. De hora em hora, liberava leves doses de veneno, enfraquecendo a vítima, até provocando alguns curtos circuitos no sistema tecnológico. Contudo, minhas forças eram quase nulas comparadas ao do monstro que chacoalhava a cabeça para todos os lados. Segurei firme com mão livre contra a lombar do animal, exercendo minha concentração no toque. Uma de minhas habilidades inatas era a capacidade de provocar dores ao tato, bastava apenas minha vontade, e assim o fiz. O bicho contorceu-se novamente, visivelmente agoniado e, acoplado à sua nuca, um botão avermelhado se mostrava desprotegido. Arfei, içando a mão destra até ele e ameaçando ativá-lo, esticando todo o corpo para que pudesse fisgá-lo.
Um chicote rimbombou o ar e prendeu-se às duas patas traseiras do animal mitológico, fazendo-o tombar de barriga. Desviei meus olhares um momento, em direção ao portador da arma e acabei por me deparar com minha irmã novamente, que me ajudava usufruindo das poucas forças que lhe restara. Como uma dupla, medimos forças; um sorriso de júbilo brotando em meus lábios devido a cena caótica. A fera tentava lutar, remexendo-se no solo arenoso da arena, porém transparecia ser inútil. Estalos eram advindos da base superior do robô, seguidos de tilintos metálicos que ostentavam a base das patas animalescas – estas se desprenderam-se, desmontando parte do corpo.
Enfim, soquei o botão e a fera caiu em óbito, nocauteada. Os olhos néons piscavam freneticamente e em questão de segundos, explodiu. Movimentei o pulso e as garras se retrairam, recolhendo-se para a luva que novamente adquiriu a pigmentação negra, desativada. Vestígios da lataria partiam para todos os lados da arena e tive de proteger o rosto e o corpo com auxílio de meus braços para que não fosse atingido. Flexionei os joelhos e sentei-me no solo da arena, arfando e liberando gemidos que se mesclavam entre dores e cansaço.
▬ Enfim, conseguimos! ▬ Deixei um pequeno sorriso esboçado em meus lábios, virando o rosto lentamente em direção a semideusa.
▬ Sim. Embora eu não precisasse de ajuda. Estava indo muito bem sozinha, para sua informação. ▬ Revirei os olhos, colocando-me de pé calmamente enquanto o chicote que a meia-irmã empunhara voltava a sua forma normal; um pomo de ouro reluzente e, por final, um pigente.
▬ Venha. Vou leva-la para a enfermaria, ou você dá conta de ir sozinha? ▬ Franzi o cenho enquanto passeava meus olhos pelo corpo da garota. A filha de Éris tinha um corte na testa, esfoliações leves nos braços e uma roupa totalmente suja e desagradável.
▬ Eu estou bem, sei me virar sozinha. ▬ Ergueu-se, demonstrando boa vitalidade.
▬ Olha aqui garota, você deveria agradecer... ▬ Tremi um pouco. Elevando o palmo até o local ferido em meu peito que ainda jorrava filetes de sangue. Fiz uma careta, expressando dor, ainda que o local queimasse.
▬ Você está bem? Vamos, deixe que eu irei ajudá-lo. ▬ A garota colocou-se ao meu lado, enlaçando um de seus braços em minha cintura e colocando o meu braço direito ao redor do seu pescoço.
Caminhamos para fora da arena, passando pelos demasiados campistas que nos olhavam com expressões indecifráveis. Indignação; assombro; enfim. É, parecia que as proles de Éris nem sempre poderia ser apenas "encrenqueiros", mandavam muito bem no combate também.
- Armas/Poderes Usados::
> Passivos:
✴Aura do Caos — Filhos desta deusa assim que recebidos por ela criam uma aura poderosa que causa à qualquer um certo medo e aflição, como se tudo tivesse prestes a se tornar um caos do nada.
✴Maestria com armas de batalha — Éris, como guerreira nata consegue manusear qualquer arma de batalha mortal, como adagas, espadas, lanças, arcos, escudos, etc.
> Ativos:
✴Dor I — É capaz de infligir dor através do pensamento em humanos, porém precisa tocar em semi-deuses e monstros para que cause efeito. A dor é aguda e incomoda bastante, mas não chega a causar desmaios ou nada sério. Não funciona com pessoas cinco leveis mais alto que o filho de Éris.
> Armas:
— Garras Envenenadas [Desativada é uma luva de couro negra, porém quando ativa transforma-se numa luva de ouro celestial com garras resistentes onde ficam as unhas, cujas possuem um veneno. O veneno não mata, porém causa grande dor no oponente e vai consumindo a HP deste no decorrer dos turnos.]