Um vento gélido me envolvia enquanto ao mesmo tempo levava as vozes da cantoria costumeira de todas as noites no Anfiteatro próximo, penetrando a minha pele e fazendo os pelos dos meus braços se eriçarem. Meus dedos se mantinham fixos e compenetrados ao redor da curvatura de madeira do arco, e uma flecha que destacava-se por seu penacho vermelho permanecia presa no cordel do armamento.
Delicado e sutil da mesma forma que eu aprendera no treino de arco-e-flecha durante o dia, liberei a linha elástica com simplicidade e deixei com que a flecha cortasse o vento que uivava por entre os pinheiros do bosque não muito longe, fincando a sua extremidade com incrível precisão no local marcado — o que caso fosse de verdade, seria um tiro certeiro no coração do boneco.
Afastei os meus cabelos loiros que acompanhavam a diretriz do vento conforme lhes eram submetido. Ergui o meu braço e em seguida tateei a aljava presa em meu dorso, fisgando outra flecha de penacho vermelho dentre as outras e voltando a encaixar o projétil no arco soerguido na altura de meu queixo.
Repetindo o mesmo processo, mas agora uma rapidez e experiência superiores há alguns instantes atrás, uma voz melodiosa e intimidadora acompanhou o trajeto da flecha até ela projetar-se contra a garganta do boneco de palha.
— Uau. Você está ficando bom nisso, hein? — Uma garota de pele achocolatada e os cabelos com cachos perfeitos caindo como uma cascata sobre seus ombros se aproximou, trajando a camiseta do Acampamento e trazendo um chicote na bainha consigo.
Sentindo a ironia e o cinismo em sua voz, imediatamente retrocedi conforme ela se aproximava e baixei o arco, fisgando outra flecha da aljava mas sem encaixá-la no cordel do armamento. Arqueei as sobrancelhas quando ela deslizou as suas unhas de um rosa vibrante na diretriz do cabo do chicote preso a bainha de couro, tendo como única iluminação para nós dois as tochas próximas e a luz da lua.
— Quem é você? — Não importa! Rápida e violenta, a negra aprumou um passo à frente e agitou o chicote com uma perícia invejável, garantida durante anos de treino, eu supus. A extremidade de couro se enroscou em minha perna, provocando ao mesmo tempo uma ardência deplorável e derrubando-me no terreno arenoso, fazendo com que, em seguida, a semideusa me puxasse com toda a sua força para si.
Com os meus cabelos repletos de areia e com o meu quadril dolorido com a queda de mau jeito, a garota de cabelos cacheados teria sentado sobre mim e me aplicado uma série de tapas se eu não tivesse sido rápido o suficiente, acertando um chute certeiro e com toda a força que eu conseguira concentrar em seu estômago. A semideusa pareceu perder o ar com o golpe, imediatamente me fuzilando com um olhar intimidador; Embora eu não a visse mexendo os lábios, conseguia ouvir diversos nomes feios dirigidos à mim. Eu estava lendo a sua mente.
Não tive muito tempo para ficar surpreso, já que ela se recuperou num curto período de tempo. Puxando o seu chicote de volta e enrolando-o na palma de sua mão, a garota voltou a açoitar minhas pernas com uma incrível ferocidade, provocando estalidos e dores indescritíveis para mim. Sufocando gritos agonizantes no fundo de minha garganta, me usufrui de sua proximidade para usar a flecha de penacho vermelho como um punhal, fincando sua extremidade pontiaguda no pé da semideusa.
Tendo os seus gritos ferinos carregados pelo vento que sibilava palavras inteligíveis para nós dois, ela desabou no chão com o pé ferido. Aproveitei a chance para erguer-me do terreno arenoso e montar sobre ela, posicionando os joelhos sobre seus braços para provocar a sua imobilização. Em resposta, ela fincou as suas unhas cor-de-rosa na minha carne exposta, provocando cortes e rasgões por meus joelhos de forma voraz.
Descendo a curvatura de madeira do arco contra o seu rosto, ouvi um barulho que indicava que algo provavelmente havia se quebrado: o nariz de minha adversária. Seu rosto foi colorido pela tonalidade rubra, e os gritos dela eram incessantes. Tomado pela fúria e sentindo minhas pernas se molharem por meus ferimentos e açoites de sangue, bati em seu rosto mais uma vez com o arco.
Exausto e sobrecarregado com a luta que se estendera por pouco tempo, finalmente sai de cima da semideusa. Ela parou de gritar e se encolheu sobre a areia, chorando baixinho enquanto o olhar que me lançava era um assassino, supostamente me jurando uma vingança por seu nariz quebrado e pé ferido. Não me importei.
Após alguns segundos deitada, um rapaz adentrou na arena, ajudando a semideusa a se levantar. O garoto olhou para mim com desgosto. Girou na ponta dos calcanhares, saindo da arena. Segui-os com o olhar até a escuridão engolfá-los em seu breu e a dor em minhas pernas se intensificarem por ter ficado tanto tempo em pé, também virando-me para sair.
Sentindo a relva macia sob meus pés descalços durante toda a caminhada até o chalé, achei que seria melhor um banho e uma longa noite de sono para que amanhã enfim eu procurasse a Enfermaria.
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Armas e Poderes:
- Arco e Flecha
- Perícia com Armas – Deimos deixou aos seus filhos a capacidade de manipular perfeitamente qualquer arma capaz de ferir alguém.