A chuva batia no chão de madeira da varanda do castelo. O silêncio reinava, era uma bela tarde para dormir, mas a garota não conseguira tal feito na noite que passara, não iria ter nenhuma chance pela tarde. Estava sentada em uma poltrona observando a chuva enquanto se perdia nos pensamentos sobre Athos/September.

Analisara a lembrança do casamento, que era um tanto vaga, detalhe por detalhe, era tudo real: a paixão, o amor, a vontade de ter ele por perto. Alicia não conseguia processar o fato de tudo isso não ser o suficiente para faze-lo ficar, claro que conseguia entender porque ele fizera aquilo. Partiu o coração dela em milhares de pedacinhos, jogando-a em um poço sem fundo.

Naquela noite do aniversário de Isabelle, tudo era real, tudo que sentira na presença de Athos fazia sentido, cada suspiro que ele arrancara dela. Só que não tinha certeza das intenções dele, se ele estava falando sério, ou, se queria machuca-la novamente. Não era mais September, o garoto que pedira-a em casamento e que no fim deixara-a no altar e isso por si só seria o suficiente, se ela soubesse quem era Athos.

Os pensamentos foram interrompidos pela chegada de Victor, a pantera de Rebekah, que trazia o aviso sobre o treino das sacerdotisas. A garota respirou fundo ao terminar de ler a carta, como se o universo não tivesse se contentado em joga-la nessa confusão o treino seria em conjunto com os espectros, aquilo não agradou-a, já que estava evitando Athos. Porém Rebekah matá-la-ia se não fosse treinar.

Atirou o papel longe retornando para os pensamentos. Lembrara-se do que Nyx falara antes de Alicia sair do chalé, disse que tudo daria certo, só que não estava dando nada certo. Deixada no altar, sem memórias e agora colocada no meio dessa confusão, da qual tentou escapar.

Nyx na certa sabia de tudo que iria acontecer depois daquela conversa delas, mas ainda assim disse para a garota ficar tranquila. Alicia jogou uma almofada na parede, com raiva, bufou e cruzou os braços. Não podia acreditar que a deusa, que a criara, poderia ser tão insensível a ponto de mentir sobre aquilo, era como uma grande facada no peito da prole de Hécate. Resolveu deitar-se e esquecer do mundo, até a hora do maldito treino, antes que quebrasse o quarto de hóspedes de Isabelle.


Dormiu até durante a viagem de barco, não sabia como Poseidon não havia mandado ela para o fundo sombrio do oceano. Quando chegou ao acampamento conseguiu ver que um pessoal se dirigia para o treino, aquilo não deixara-a nem um pouco animada, Athos estava no meio daquele pessoal. Rebekah explicou a tristeza que seria aquela noite, algo sobre lutar contra si mesmo porque era a coisa mais difícil e blá, blá, blá. Alicia olhou para o espelho coberto e em poucos segundos já pudera retirar o pano.

O reflexo era ela, fisicamente, mas Alicia conseguia sentir que havia algo de errado, o olhar, o jeito de se mover era um tanto diferente do dela e a maneira como saiu do espelho e encarou-a fez com que se perguntasse sobre seu passado. Se aquela era ela, então a sacerdotisa era assim antes de abrir mão das memórias, que aparentemente o seu ID tinha e estava pronto para atirar tudo sobre ela.

Um desespero passou como se fosse um furacão, levando-a para o fundo do poço, para onde sabia que já havia estado e não lembrava como saíra dali. As duas Alicias se encararam dando a volta e não foi preciso que o ID estalasse os dedos para começar a colocar a garota para baixo.

- Pobre Alicia, tão indefesa, sem amigos, sem família, sem namoradinhos, como vai se defender agora?! Eles faziam o que você era e sem eles não és nada. Ficou todos esses anos escondida atrás do que Coraline era, do que Christopher era, atrás até mesmo de September, você não passa de um reflexo deles, na falta é apenas um ser sem personalidade, coragem, sem atitudes, você não é nada, NADA.

A sacerdotisa manteve-se forte, mas por dentro estava lutando para não ir ao chão, não queria lembrar do que fora, não queria lembrar das pessoas que ficaram no passado. Tudo aquilo estava sendo jogado sobre a garota, a cabeça doía e tudo parecia começar a desmoronar, tentou fortemente não questionar-se.

- Coraline deve estar mais feliz no Hades do que com você, que esgotava-a e só trazia tristeza, nem deu-se ao trabalho de consola-la quando o namorado largou-a. Nem preciso mencionar Christopher, quem era ele mesmo?! – ela riu – Ah, isso mesmo, mais uma das suas bolsas de sangue, você nem ao menos viu ele nos últimos anos, não é? Nunca ligou o suficiente, sempre foi egoísta, Alicia sempre vem primeiro.

- PARE! – gritou em meio as lágrimas, Ivory estava na mão direita dela, apontada para seu ID, com a mão esquerda a morena criou esferas plasmáticas mirando na outra, mas foram todas desviadas – Apenas pare! Sim, sou fraca, não sou ninguém, fugi dos meus problemas abrindo mão da minha memória... Não sou forte, não consigo lidar com tudo isso, é horrível, as coisas caem aos pedaços eu não... Eu não pedi por essa vida! – as lágrimas atrapalhavam a visão de Alicia que sentia-se cada vez mais fraca não demorando muito para perder o equilíbrio e ir de encontro com o chão.

- Você é a pior, egoísta, fraca, estúpida, estragou todas as relações que teve, você se pergunta porque foi deixada no altar?! Aí está a sua resposta: Ninguém quer uma garotinha fraca, sem personalidade e ainda por cima egoísta, o centro das atenções.

A garota puxou o gatilho, a visão totalmente embaçada, mal sabia se algum dos projéteis havia acertado o ID, levantou-se respirando fundo, a outra estava de pé, ilesa e rindo. Alicia deu de ombros e suspirou jogando a arma no chão.

- Quer saber? Estou cansada de você falar sobre o que sou ou deixo de ser, sabe porquê? Porque você sou eu e se sou assim você também é! – A outra deu passo para trás, mas manteve a pose – Eu fugi de tudo aquilo, apaguei minhas memórias porque cansei de não ser nada, quero saber quem sou, me achar nessa merda desse mundo, quero uma nova chance de viver e infelizmente não posso fazer isso sem você e isso está ok para mim. Então podemos acabar com isso agora e termos um futuro novo, ou podemos brigar até uma de nós se matar, mas lembre-se, somos a mesma pessoa.

O ID bufou e concordou, Alicia esticou a mão selando o acordo entre as duas, a outra permaneceu quieta enquanto entrava para dentro do espelho. No fundo, bem lá no fundo, ela gostava desse outro lado, sem ele não conseguiria seguir em frente e embora o objetivo do ID era coloca-la no fundo do poço, aquilo fora algo essencial para que pudesse decidir ser forte pelo menos uma vez. Limpou as mãos, que estavam sujas de ter contato com o chão, colocou-as nos bolsos e olhou Rebekah, respirou fundo e sorriu um tanto abalada.

Armas:

Poderes:

Habilidades: