OUTUBRO @ 14:30
Estava à apenas algumas semanas no acampamento e não conhecia muita gente ainda, digamos que também não fazia lá muita questão também. As vezes conversava, mas apenas quando vinham falar comigo sobre algo realmente importante, nada contra amigos, mas minha paciência costumava ser curta para atura–lós. Na minha segunda semana naquele acampamento, haviam ido até onde estava me retirando do Chalé de Hermes e levando para o Chalé que disseram ser de meu pai, Ares, que havia me reclamado naquela mesma manhã. Achava aquilo tudo estranho, afinal eu sempre fora meio perdida e nunca liguei para quem eram meus verdadeiros pais, mas não esperava descobrir que um deles – mais especificamente meu pai – fosse um deus do Olimpo. Conhecida agora como filha de Ares andava atraindo mais olhares em minha direção, não que aquilo já não fosse costumeiro para mim, mas, ainda assim, me irritava. Caminhava para o que seria o meu primeiro treino com espadas, escudos e adagas ou ao menos era o que haviam me informado enquanto entrava em uma grande arena seguida por alguns campistas de todos os tamanhos e idades. Sentia-me um pouco velha de mais entre eles e de fato eu era, fora tão bem escondida de minhas origens que demorou mais tempo que o comum para me acharem e agora era uma gigante brincando de aprender que nem criancinha.
Usava uma blusa qualquer do acampamento em tom de vermelho sangue com uma cabeça de Javali em negro no meio da estampa, quase gritava pra todo mundo “ver” que uma filha de Ares estava passando. Não era muito boa com isso de ser o centro das atenções, mas com o tempo e a vida tive que me acostumar aquilo uma vez que por onde eu ia a confusão me acompanhava, afinal de contas não era atoa que tinha tantas fichas de ocorrência com a polícia Francesa. A calça jeans velha e gasta andava com alguns pequenos rasgos em algumas regiões, frutos de treinos em que acabava exagerando na dose, mas nada que realmente me incomodasse, para falar a verdade, aquilo de ficar suada, cheia de terra e com as roupas em péssimo estado era legal. Bom, ao menos agora depois de saber quem era meu pai eu sabia que não ser patricinha e não me importar com essas coisas, não era uma coisa realmente absurdamente anormal para uma mulher. Ouvia alguns gritos vindos de todos os lados da Arena e parei na metade do caminho observando minhas opções de treinos… Espantalhos, robôs ou outros campistas. Um sorriso brincou em meus lábios enquanto ponderava cada uma de minhas opções uma vez que bater em alguns caras do acampamento era uma ideia tremendamente tentadora. Por infelicidade minha não me deixariam fazer isso assim, digo os instrutores que viviam rondando ali, com certeza, adorariam a oportunidade de ver alguém detonar uma filha de Ares só para poderem rir e curtir com a minha cara depois e eu não daria aquele gostinho a eles.
Caminhei calmamente em direção a uma pilha de espadas jogadas em um canto e analisei algumas com cuidado pegando, por fim, uma que achei adequada.
— Vames verr você — Falei com um pequeno sorriso de lado, ainda tendo aquele lindo sotaque francês presente, enquanto erguia a espada e fazia um movimento cruzado em forma de “X” com a mesma testando sua leveza nos movimentos necessários. Era incrível como conseguia manipular qualquer arma com extrema facilidade, mas tinha uma incrível queda por espadas e aquela ali só possuía um problema: estava cega. Bem, quando digo cega quero dizer que sua lâmina já não iria me ajudar a rasgar nem mesmo os espantalhos que havia ali. Atirei a mesma para o lado e peguei mais três repetindo o movimento que havia feito com a primeira acabando por ficar com a última que parecia estar melhor que as outras. Com uma espada em punho agora faltava só me decidir entre os robôs e os bonecos de palha espalhados pelo local e sendo destruídos por outros semideuses. Depois de ponderar o perigo que um robô poderia representar para mim resolvi que era hora de transformar um deles em sucata e largar os bonecos de palha para as crianças.
— Saie da frrente purrpurrina — Rosnei para um filho de Apolo que veio correndo até mim querendo me impedir de ir para junto do robô que havia escolhido para enfrentar. O garoto pareceu não curtir muito o jeito o qual havia tratado o mesmo, mas, ainda assim, resolveu que ia tentar me impedir de fazer o que eu queria alegando que precisaria de mais treino para enfrentar um deles.
— Eu discorrde e isse já é o suficiente parra mim agorra saíe do meu caminhe — Se tinha uma coisa que eu odiava desde que pisara no acampamento era os filhos de Apolo e Afrodite que sempre vinham pro meu lado jogando charme. Sabem como dizem uma vez lésbica nem Zeus na causa pra mudar alguma coisa e aqueles garotos dando em cima de mim realmente me irritavam. A parte boa do acampamento era que as irmãs deles eram realmente babáveis e a praia parecia ser o lugar ideal para um passeio quando se quiser admirar novas paisagens se me entende. O garoto olhou para mim de cima a baixo e ergueu as mãos como se dando por “derrotado” e após um “tudo bem, gatinha” o infeliz sumiu das minhas vistas. Diga–se de passagem, que foi bom ele ter feito isso, ajudou a sobreviver por mais um dia naquele acampamento. Continuei meu caminho até um lugar mais vazio da Arena onde um robô desligado parecia estar na eterna espera por um adversário. Parei bem em frente do mesmo que parecia ter quase o dobro do meu tamanho olhando de tão perto, nada que me assustasse é claro, mas definitivamente seria um desafio bem complicado para mim. Ouvi algumas risadinhas atrás de mim e podia jurar que o filho de Apolo havia chamado alguns amiguinhos para ver meu treino, com certeza na esperança de me carregar até a enfermaria ou para poder rir da cara da filha de Ares que perdeu para um mero robô de quase 2 metros.
— Vames lá sucate — Falei um pouco baixo enquanto achava onde ligava o robô me arrependendo no minuto seguinte de não estar com um escudo e ter sido burra o suficiente pra estar de frente para o robô ao fazer aquilo. Quase que instantaneamente o robô havia ligado e esticou os braços de ferro me acertando em cheio na barriga e jogando alguns passos para trás diretamente no chão.
— Autch! Isse vai deixarr marrques — Falei comigo mesma enquanto puxava o ar com dificuldade no primeiro momento, antes de voltar a ficar de pé. O robô se esticou algumas vezes como se não fosse utilizado a tanto tempo que precisava se auto–checar para ver se não tinha nada enferrujado. Respirei fundo agora com a respiração novamente regularizada e ergui a espada em direção ao robô que se punha em posição de ataque.
— Vames lá late velha! Mostrre-me do que você é capaz sue sucate! — Desafiei, mesmo parecendo uma ridícula ao falar daquele jeito com um monte de metal. A questão era que por mais que para mim aquilo fosse ridículo, o robô realmente me entendera e no segundo seguinte possuía uma espada e partia a toda velocidade em minha direção mostrando que não era uma máquina qualquer. Coloquei a espada em posição e corri também em direção ao robô gritando ferozmente em sua direção, algo que ninguém entenderia, ou melhor, talvez os meus meio–irmãos entendessem, mas era algo que me ajudava bastante naquela hora. Quando estávamos prestes a nos chocar o robô foi mais rápido e cortou o ar na horizontal com a espada em direção a minhas costelas e a única coisa que tive tempo de fazer foi me jogar para o lado caindo no chão e rolando para longe evitando o ferimento. O problema era que por mais que tivesse rolado o robô se recuperara bem fácil do golpe e logo executava golpes na vertical em direção ao chão me obrigando a continuar rolando na areia para longe de seus golpes que abriam buracos na onde atingiam.
Ouvi os campistas que me observavam junto com o filho de Apolo, começarem a rir de minha situação e se tinha uma coisa que me deixava mais nervosa ainda do que levar surra de sucata era ser humilhada daquela forma. Fechei os olhos e respirei fundo enquanto rolava novamente para o lado e deixei que meus instintos tomassem conta de meu corpo mesmo sendo difícil uma vez que eles costumavam ativar só depois que eu tomava alguns golpes. Abri os olhos em tempo de ver o robô erguendo a espada no alto para me acertar no chão e com uma agilidade incrível girei minha espada em direção as pernas da sucata e atingi uma delas causando dano o suficiente para impedi-lo de me golpear e me por de pé num movimento estilo Matrix. Sorria agora extremamente animada ao sentir a adrenalina correndo solta por minhas veias ao ver o robô mancar após o golpe em uma de suas pernas, não que havia ficado sem ela o golpe não tinha sido forte o suficiente, mas ele já mancava e isso era uma vantagem para mim. Coloquei a espada em posição de ataque e deixei meu corpo se contrair em uma posição ofensiva que me permitisse me defender caso algo desse errado. O robô assim que se recuperou voltou a erguer a espada e a brandi–lá em minha direção fazendo movimentos verticais e horizontais diferenciados me obrigando a me mover cada vez mais rápido para me desviar pulando para o lado ou bloquear seus golpes com a minha espada. Devo dizer que no começo a coisa não era realmente favorável para mim, custava a bloquear seus golpes e devido a sua força jurava que minha espada se quebraria a qualquer segundo, coisa que felizmente não aconteceu hora nenhuma.
Aproveitei-me de quando seus movimentos constantes cessaram pra me afastar um pouco e começar a “rodear” o robô usando aquilo de artifício apenas para olhar o lugar onde nos encontrávamos e não tirar os olhos de meu adversário. Deixei que ficássemos naquela posição por duas rodadas até que consegui ver uma parede da arena mais perto que possuía alguns apoios para objetos ou ao menos pareciam ser e me deixei ficar de costas para aquilo. Como era de se esperar, assim que cessei meus passos o robô partiu numa investida sem dó para o meu lado e apenas fiz pular para trás e me virar de costas para o robô começando a correr a toda velocidade em direção aos apoios ouvindo risadas ecoarem atrás de mim.
— Vão rrindo enquante podem bande de estúpides — Sussurrei para mim mesma pouco antes de chegar em meu objetivo vendo uma pilha de escudos bem perto dos apoios sobre a qual saltei para usar de degrau até meu objetivo. De pé em cima daquelas coisas, sabia que era questão de tempo até se quebrarem e me fazerem cair e o robô agora tentava tirar de sua espada uma série de escudos de metal que com a força do impacto da mesma havia “grudado” na espada.
— Que foi late velhe? Perrdeu a arrme? — Tirei sarro da situação do robô enquanto um sorriso surgia de canto em meus lábios e me aproveitava daquilo para saltar em direção a cabeça do robô que pego de surpresa apenas começou a se agitar descontroladamente sem saber se me tirava de cima de si ou se arrumava sua espada.
— Ache que está na horra de alguém perrderr seus parrafusos — Ponderei com um sorriso cruel em meus lábios enquanto mantinha minhas pernas uma em cada “ombro” do robô encaixando minha espada em seu “pescoço” e puxando o mesmo para cima e para baixo com uma dificuldade tremenda. Podia sentir a lâmina da espada cortar minha mão na onde segurava a espada para ajudar a dar impulso, mas não me importava com a dor de certa forma ela me agradava e me dava mais forças ainda para acabar com a raça daquela sucata. Com um último movimento um pouco cauteloso dobrei uma perna por vez apoiando meus pés nos “ombros” do robô e usando toda minha força enquanto sentia socos vez ou outra acertarem meu corpo e meu braço, consegui finalmente arrancar a cabeça do robô antes que acabasse com a minha própria mão. Caí no chão de costas quase que no mesmo instante em que o robô caía e tudo parecia rodar enquanto sentia uma tremenda dor nas costas, nas costelas e no braço que ainda sustentava a espada com força. Justo o lado o qual recebera golpes da enorme mão de metal do pedaço ambulante de sucata que jazia agora no chão dando curtos. Sentei-me no chão com dificuldade e olhei para minha mão ensanguentada podendo notar que o ferimento não era tão profundo assim, mas deixaria alguma cicatriz para me lembrar daquilo. Pus-me de pé evitando deixar que minha mão machucada encostasse no chão ou outro lugar qualquer para que não infeccionasse e apenas cravei minha espada no peito de metal do robô e o peguei pelo pé arrastando com dificuldade até onde os campistas que riam de mim estavam.
— Ache melhorr alguém levarr esse late velha prras forrjes, vou prrecisarr de uma nova quande voltarr da enferrmarrie — Falei com tom de voz firme enquanto mantinha minha postura correta como se nenhum daqueles machucados passarem de simples arranhões.
De fato a raiva que sentia das risadas daqueles estúpidos me fazia me manter forte, me dava as forças que precisava para arrastar o robô e sair de cabeça erguida da arena em direção a enfermaria, mas aquilo não queria dizer que os ferimentos que tinha não doíam pra caramba. Saio dali pra enfermaria caçar a irmã do carinha que tava rindo de mim u_ú.