A cabeça de November estava dolorida, segurar o choro era um tanto difícil. Estaria ele sendo infantil? Talvez não houvesse ocorrido nada de mais na festa. Mas, como ele podia ter certeza? Ele confiava na Alicia, óbvio, mas, também era muito claro que ela ainda amava Daniel, tanto que ficara lá com ele. Será que tinha sido má ideia sair do lugar daquele jeito? Afinal, ela havia ido falar com ele, estava feliz em vê-lo.

A prole de Hipnos revirou os olhos e arrancou a máscara do rosto ao entrar no chalé. Tirou a parte de cima do terno, ficando apenas com a calça e se jogou no sofá, que estava localizado no meio do chalé. Seus irmãos não estavam ali, provavelmente estavam na festa. O garoto suspirou, torcendo para que os outros não o tenham visto e não encham o saco depois, afinal, não estava com a mínima paciência para tal. Ligou a TV, e, com o controle, procurou o aplicativo da Netflix. O camp podia não deixá-los usar celular, mas, o sinal de internet era ótimo para compensar.

Procurou por Janela Indiscreta mas depois desistiu e decidiu assistir Psycho. Alicia sabia o quanto que ele gostava daquele filme. Sentiu falta da presença dela mas deu de ombros, afinal, ir embora da festa havia sido uma escolha dele.

A “briga” com a Alicia, no Halloween, havia sido infantilidade e ele bem sabia disso. Conforme havia chegado em casa e se distraía, ficava pensando em sua própria atitude lá. Em como a morena correu para seus braços assim que o viu e como estava feliz por ele estar ali. Daskov suspirou e levou as mãos aos próprios cabelos, bagunçando-os. Ele odiava ser interpretado como incompreensível ou algo do tipo. Ele não era assim. Não era aquele cara que estava ali, vestido de fantasma da ópera. Encostou a cabeça no sofá e ficou ouvindo o filme que já havia visto tantas vezes com Alícia ali.

Sabia que seu irmão a havia magoado muito. A prole de Hécate não merecia sofrer como ele a fizera, mas também sabia que seu irmão estava passando por demasiados problemas na época em que namoraram. Daniel havia errado, abandonar Alícia não era justificável, mas, se ele estava se redimindo e procurando se reconciliar com ela, em forma de amizade, quem era ele para impedir? Nem namoravam. Ele não podia ser o dono dela, não era dono nem de si mesmo. Fechou os olhos sentindo uma breve dor de cabeça começar a aparecer quando ouviu batidas leves na porta.

Levantou-se e puxou o casaco mais próximo, cobrindo o peito. Quem poderia ser? Talvez Daniel tivesse vindo conversar, como já tentara outras vezes. Virou a maceneta e ergueu as sobrancelhas, claramente confuso.

— Ahn.. Alícia? Pensei que tinha te deixado na festa… — Se afastou da passagem, dando lugar para a outra entrar. — Entre.

Um macaco tocando piano com os pés, faria mais sentido que aquilo. Não era verdade, não podia ser verdade. Não, não... Definitivamente não. November deu um passou para trás, atordoado e tonto. Observava a garota, que, não demonstrava um pingo de humor na face. Ela estava séria, aquilo parecia sério. Mas não podia ser verdade, até mesmo por que não era. Não, de jeito algum. De forma alguma. November passou as mãos pelos cabelos, de repente sentindo-se sufocado.

— C..como? Não.. Você está brincando, certo? Alicia, primeiro de abril é em abril, estamos em outubro. Não faz isso, por favor...

Ele a encarou, confuso demais para pensar. Se o que aquela garota havia acabado de mencionar fosse verdade... Alicia e ele nunca... Nunca haviam existido... Era tudo coisa da cabeça dele... Ele não a conhecia, ela sequer tinha algum sentimento por ele. Mas se Alicia não havia estado com ele... Quem?

— Se... Se ela não estava comigo... Quem? Você? — Ele piscou, tentando colocar as ideias no lugar. — Quem é você? Como? Por quê? — Caminhou até o sofá e a encarou. — Por quê?

November engoliu em seco, ouvindo as palavras da garota. Quanto mais ela as pronunciava, mais parecia fazer sentido. As vezes sentia como se Alicia não estivesse de fato presenciando os momentos que passavam juntos. As vezes ela não se lembrava, as vezes estava distraída… Ele tentava arrumar desculpas para si mesmo mas, por mais absurda que aquela verdade pudesse parecer, era a verdade que tinham. Alicia parecia gostar de pedaços dele, já Alexa, a garota que mentiu para ele e o pegou com aquela notícia de última hora, parecia gostar dele por inteiro. Estava ali, no chalé, como ela mesmo havia mencionado, assistindo o mesmo filme repetidas vezes… Caminhando, fazendo companhia, ouvindo-o falar sobre suas teorias… Tendo paciência de explicar e relembrá-lo das coisas (filhos de Hipnos podem ser bem lerdos). Ele suspirou e a encarou, lágrimas rolavam por sua face.

Ele levou a mão até o rosto alheio, e, com o polegar, enxugou a lágrima que descia lentamente. Aproximou-se dela e a puxou para um abraço, longo e apertado. Devia ter sido difícil para ela, viver com uma irmã que a odiava, ter de se esconder, ter de mentir só para ficar perto de alguém. Ele suspirou, sentindo o cheiro do shampoo da menor. Afastou-se um pouco, só para ver o rosto dela e deu um meio sorriso.

— Ta tudo bem, Ali… Lexis. — Sorriu, corrigindo-se. — Não precisa chorar. — Aproximou-se e depositou um beijo demorado na testa dela. — Você deve ter tido seus motivos para fazer o que fez. Eu prometo que vou tentar entender. Só… Só não vá embora. — Ele segurou a mão dela e a apertou brevemente. — Acho que, no fim das contas, eu sempre soube… — Sorriu.

Alicia, não, Alexa, parecia ter tirado um enorme peso de suas costas. Literalmente, era difícil fingir ser algo que não era. A garota estava mais relaxada, agora November conseguia ver os traços da garota que ia ao seu chalé para assistir o mesmo filme diversas e diversas vezes. Para quem via de fora, pensava que os dois transavam como coelhos, mas, a verdade? Ficavam juntos de conchinha vendo algo, e, antes do sol nascer, Ali..Lexa, sempre ia embora e o deixava adormecido, o que não era muito difícil para um filho de Hipnos.

Daskov pegou o controle da tv e apertou o play novamente, a cena dando inicio de onde havia parado: Norman olhando pelo buraco da parede atrás de um quadro, a garota recém chegada se despindo e entrando dentro do banheiro.

As balinhas de Lexis eram realmente memoráveis, praticamente como uma marca registrada de todos os filmes que assistiram juntos. Parando para pensar, Alicia nunca havia tido esse cuidado com ele. November estava ali, naquele momento, abraçado com a gêmea errada, e, perguntando-se por quem realmente havia se apaixonado. Quantas vezes e em quantos lugares estivera com Alicia? Quem era Alicia? A garota frágil, deitada ali com ele, não parecia fazer mal a ninguém. Por que Alicia, então, estivera com ele todo esse tempo? Ou melhor, essas raras vezes? Tudo estava muito confuso. November tentava passar tranquilidade mas, em sua cabeça, um tornado de pensamentos fazia tudo ficar mais confuso do que realmente era. Ou melhor: confuso como era exatamente a realidade. Daskov passou o braço ao redor dos ombros da semideusa e depositou um beijo em sua testa.

— Posso falar uma coisa? — Sussurrou.

November observou a reação dela ao ouvi-lo pronunciar a pergunta. Talvez pudesse ser insegurança, não tinha certeza, talvez até mesmo medo. Do que Lexis poderia ter medo? Ele não fazia a mínima ideia, mas, de uma coisa estava certo: Daniel era tão culpado quanto Alicia. O romance dos dois acabara por confundir a cabeça do Daskov de Hipnos e certamente fizera com que com Alexa tivesse de se esconder nas sombras. Ele tinha certeza de uma coisa: Alicia não era quem mostrava ser. Não era a morena doce de olhos castanhos que ele havia conhecido. Alexa era. E ele não deixaria barato. Não deixaria que o casal prodígio saísse feliz por aí, tendo feito ambos sofrerem.

Ele não deixaria Alexa a par disso, de forma alguma. Ela queria mantê-la bem, sabia que ela mais experiente e mais forte que ele, a aura dela já dizia isso. Queria mantê-la sem sofrer, feliz. Aquela garota merecia ser feliz, Alicia já havia feito com que ela sofresse muito. November fechou os olhos, suspirou e, instintivamente, levou a mão ao queixo alheio, depositando um breve selinho nos lábios que ele conhecia, e, que, agora, tinha certeza pertecerem a Alexa.

— Acho que me apaixonei pela gêmea certa. — Sorriu de canto.

Fechou os olhos e encostou sua testa na dela, sentindo suas respirações criarem um fluxo de ar contínuo e constante, assimilando-se num único sentido.