O rapaz já estava acordado quando o celular tocou às seis da manhã. Num piscar de olhos, desligou o despertador, levantou-se e começou a tirar a roupa. Ao entrar no chuveiro, começou a divagar sobre como seria seu dia enquanto sentia a água quente despertar seu corpo por completo.

Charles Innes-Ker, o marquês de Bowmont e Cessford, compareceria para o almoço a fim de tratar de algum assunto ainda não revelado. O marquês já havia conquistado a antipatia do semideus devido a ocasião em que ele não pagou uma mera libra para viajar em um trem no condado de Tyne and Wear. Porém, infelizmente, Vincent Phantomhive estava viajando no momento e cabia a seu herdeiro receber o visitante em seu lugar. Seu dia seria mais produtivo treinando ou indo visitar sua noiva, mas infelizmente sacrifícios eram normais em sua rotina.

Assim que desligou o chuveiro, fechou os olhos e respirou fundo. Tinha que ir checar as preparações para o almoço, se vestir apropriadamente para a ocasião, ver se sua madrasta e irmãs estavam se preparando...

O dia seria longo!


▬ Eu juro! Ele caiu do cavalo igual a uma jaca! ▬ Disse o marquês entre risos, acompanhado pelos da mãe de Adam e suas irmãs.

O jovem limitou-se a dar um sorriso enquanto colocava mais um pedaço de carne na boca. O rapaz mal havia falado desde a chegada do marquês. Limitou-se aos cumprimentos formais e então mandou trazerem a comida. O rapaz ouvia, deveras entediado, as histórias do marquês sobre sua formação na Real Academia Militar de Sandhurst, assim como sua estadia no Iraque.

Não se recordava nem de metade do que ele havia falado, apenas sorrindo e acenando. Felizmente, sua madastra sabia que o enteado não suportava aquele tipo de pessoa falastrão e o mantinha entretido em seu lugar. Após certo tempo, o rapaz perdeu a paciência e com toda a educação do mundo, perguntou:

▬ Marquês Innes-Ker, o senhor mencionou um assunto extremamente importante em seu pedido para almoçar conosco e devo confessar que minha curiosidade já não pode mais ser contida. ▬ O rapaz colocou os talheres no prato e olhou fixamente para o homem do outro lado da mesa [P1]. ▬ Se importaria de dizer que assunto é esse?

Naquele momento, a postura do marquês mudou. Um calafrio passou por sua espinha e de repente ele sentiu que devia tomar cuidado ao lidar com aquele jovem. Engolindo em seco, respondeu:

▬ Eu esperava poder tratar disso com o senhor Vincent...

▬ Na ausência de meu pai, eu sou responsável por cuidar de seus negócios ▬ interrompeu-o. ▬ Basta dizer o que deseja de nós.

▬ Nesse caso, poderíamos conversar...

O olhar que recebeu foi o suficiente para se calar. Numa negociação diplomática, era importante deixar a outra parte à vontade, para que ambos se sentissem iguais. Mas Adam já sabia que o marquês não viera ali para negociar nada. Viera para pedir algo, e Adam deixaria claro a sua posição.

▬ Eu gostaria de receber seu apoio para convencer a Lyon Court quanto a meu pedido de herança do Clã Innes. ▬ Disse por fim.

Adam continuou olhando o rapaz enquanto pensava sobre o pedido. Desde que o vigésimo quinto chefe do clã Innes, Sir James Innes, tomou para si o ducado de Roxburghe, ele mudou seu sobrenome para Innes-Ker. Na prática, os Innes-Ker ainda eram os chefes do clã Innes, mas a Corte do Lorde Lyon, que regulava as heranças da Inglaterra, não os considerava como tal devido a mudança de seu sobrenome, o que os privava de alguns direitos em relação aos bens do clã. Após quase meio minuto pensando, disse por fim:

▬ O senhor joga polo?


O jogo nada mais era que uma desculpa para passar o tempo de forma mais divertida, e claro, deixar mais claro para o marquês sua posição. Conseguir a aprovação da Corte não seria tão difícil, e os Phantomhive poderiam cobrar aquele favor depois - mas nada disse ao marquês sobre isso. Seria melhor que pensasse que teriam enorme dificuldade com o favor.

Acompanhado de mais seis empregados para fechar a quantidade necessária, ambos jogavam enquanto a madrasta de Adam e suas irmãs observavam e torciam para o mesmo. Não que fosse necessário, claro. Após metade da partida, o time do marquês não havia conseguido marcar um único ponto sequer.

Enquanto estavam no intervalo, o semideus apreciava uma taça de vinho enquanto ignorava a bajulação do marquês sobre suas habilidades. Seus pensamentos voaram para um outro lugar de Londres. Um imponente castelo, cuja princesa havia roubado o coração do rapaz. Após perder tanto tempo com o marquês o rapaz já planejava visitar sua noiva.

Quase que por ironia do destino, naquele mesmo momento um senhor de físico um pouco acima da média vinha correndo na direção dele. O jovem reconheceu-o como sendo um dos criados. Em seu rosto, o pânico dominava.

▬ Jovem mestre, trago notícias do pai de sua noiva ▬ disse, sacando um lenço do paletó para secar o rosto suado por causa da corrida. ▬ Ela desapareceu novamente.

O rosto do rapaz permaneceu inalterado de início, mas logo seus olhos mostravam um ar confuso, como se não houvesse entendido direito.

▬ Como assim... sumiu? ▬ Sua voz era baixa, mas percebia-se tanto a raiva quanto o nervosismo contidos nela. O homem encolheu-se de leve.

▬ Lorde Montgomery ligou informando que a milady não se encontra em sua residência. Na última vez em que foi vista, ela encontrava-se bebendo em seu castelo aqui em Londres, ontem a noite. Quando as criadas foram acordá-la hoje de manhã, a mesma não se encontrava em seu quarto. Lorde Montgomery já tentou contatá-la de todas as formas, e até agora não obteve sucesso. Ele esperava que o senhor soubesse de alguma coisa.

A cada palavra, medo e nervosismo cresciam dentro do rapaz, por motivos óbvios. Na última vez que isso havia acontecido, as tragédias que ela sofreu o deixaram traumatizado por meses. Havia se sentido um inútil na época. Mesmo sabendo que sua noiva era extremamente poderosa, sabia que pelo mesmo motivo ela era alvo de ameaças igualmente poderosas.

Sua mente estava a mil tentando  processar a informação, quando sentiu um toque em seu braço. Era sua irmã, e a mesma apontava, um pouco assustada, para o copo de vinho congelado em suas mãos [P2]. Naquele momento, o rapaz voltou a tomar o controle de si [P3]. Deu uma olhada para sua família, que o olhava com preocupação, e então voltou-se para o marquês.

▬ Com sua licença, marquês, há assuntos que demandam minha atenção. Depois discutiremos sobre seu problema. ▬ E virou-se sem esperar uma resposta, marchando em direção ao castelo.


No meio do caminho ligou para seu sogro a fim de obter mais informações. Todavia, tudo que sabia era aquilo que o criado havia lhe contado. A mesma estava bebendo no castelo junto com seu golem, e pela manhã já não foi mais vista. Não havia nenhum pedido de sequestradores até então e nem mensagens de íris funcionavam.

O rapaz andava rapidamente, mas mantinha a calma. O que quer que houvesse acontecido, ele a encontraria. Jamais se perdoaria caso algo acontecesse a ela. Finalmente chegou no corredor de seu quarto. Abriu a porta e correu para seu armário, começando a se armar. Estava tão absorto que sequer notou a presença de outra pessoa no recinto.

▬ Boa tarde, Adam.

Virou-se de imediato apontando uma espada para a direção da voz. Havia um homem sentado em sua cama. Era incrivelmente belo, com cabelos loiros e olhos azuis. O homem não pareceu se surpreender com a atitude agressiva do semideus. Adam se perguntava como não o notou ali.

▬ Guarde essa espada, jovem. Não só não há necessidade como seria inútil contra mim.

▬ Quem é você? ▬ Adam perguntou friamente.

▬ Um pai preocupado com o desaparecimento da filha ▬ Respondeu o homem misterioso. Adam levou alguns segundos para decifrar a frase.

▬ Apolo? ▬ Ao que recebeu um aceno de confirmação. Isso não acalmou o rapaz nem um pouco. ▬ Caso tenha alguma missão divina, ache outro semideus. Estou ocupado no momento.

▬ Creio que não escutou direito, rapaz. Disse que estou preocupado com minha filha, e é por isso que estou aqui. Não é todo dia que a minha filha mais forte some. E da última vez... ▬ Um silêncio pesado reinou enquanto ambos recordavam da tragédia.

▬ O que quer de mim? ▬ Perguntou o semideus.

▬ Sua ajuda ▬ respondeu. ▬ Sei onde ela está, mas como sabe, um deus não pode interferir diretamente na vida dos mortais. Por isso preciso de alguém que faça isso por mim, e no momento, você é a melhor escolha.

O rapaz observou-o com seus olhos gélidos. Deuses não costumavam ser tão amorosos com seus filhos, e bem provavelmente, Apolo só estava preocupado em perder uma filha tão forte de quem ele poderia se aproveitar depois.

Mas quem se importava? Desde que ele dissesse onde ela estava, o filho de Quione lidaria com o restante depois.

▬ Só aponte o caminho!

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