O dia começara bem, ou melhor, começara de forma comum e estar vivo já era um ponto positivo quando se era um semideus. Eu estava dormindo no chalé de Hipnos, não tinha muitos irmãos ali, então, podia aproveitar o dia de forma bem demorada em minha doce e macia cama, mas claro, a fome sempre falava mais alto. E coisas que eu acredito que sejam as melhores da vida, são: dormir e comer. Comer principalmente.
Levantei-me próximo do meio dia e fui tomar um bom banho, água morna hein, óbvio. Quando se é filho de Hipnos, você simplesmente não quer acordar. Após o banho eu vesti uma camisa comum do acampamento e uma calça jeans.
Saí do chalé sem armas, acredito que o acampamento seja bastante seguro para ter de ficar desfilando por aí com as armas que ganhamos de nossos pais, me dá uma sensação de: posso morrer a qualquer esbarrão com um filho de Ares. Bom, de qualquer forma…
Continuei a caminhada. O refeitório já estava repleto de semideuses barulhentos, todos comentando sobre como havia sido sua manhã, como eles haviam destruído o boneco no treino ou como a parede de escalada estava complicada de subir. Eu simplesmente revirei os olhos e caminhei até a mesa do chalé de Hipnos. Estranhei o fato de July, minha irmã, não está ali, ela também não estava no chalé.
Em todo aquele tempo de adaptação, fora ela que me falara sobre os deuses, o olimpo e como era ser um semideus em pleno século XXI. Acredito que July poderia ser uma ótima psicóloga, mas ela com certeza dorme mais que eu, então não sobra muito tempo.
Sentei-me à mesa e imaginei um bom hambúrguer com uma coca bem gelada e várias batatas fritas com bacon. Não importa o quanto eu comesse, de alguma forma sempre queimava as calorias ao dormir.
Levantei-me com o prato de batatas fritas e depositei metade oferecendo ao meu pai. No instante seguinte um cheiro de leite morno tomou conta de mim e tive vontade de dormir, ali mesmo. Mas estava com fome, então, voltei até a mesa e comecei a comer o hambúrguer.
***
Mau havia terminado de almoçar quando percebi um burburinho entre os campistas e observar alguns saindo dali as pressas, indo em direção a enfermaria. Ergui as sobrancelhas me perguntando se havia ocorrido algum atentado no meio do Acampamento, e, se havia, queria que me falassem quem era o muçulmano, por que eu me lembraria de ficar bem longe dele. Sorri sozinho ao achar a piada engraçada.
Foi então que uma das proles de Apolo veio até minha mesa, falar diretamente comigo.
— Scar, não é? — Ela perguntou, parecendo um tanto confusa.
— Sim, sou eu. O que aconteceu?
— Não posso dizer muita coisa, apenas peço que vá até a enfermaria.
Após falar isso a garota simplesmente foi embora, deixando-me sozinho com uma indigestão se formando em meu estômago. Suspirei e levantei, não era sempre que um filho de Hipnos era convocado a enfermaria, talvez precisassem de um sedativo. Ri de novo da minha piada, estava ficando bom nisso.
***
Quando cheguei na enfermaria percebi que vários semideuses estavam reunidos ali, olhando abismados para as camas a sua frente. Fiquei sem entender e me aproximei, vendo que vários campistas conhecidos estavam em uma situação lamentável: pálidos, lábios azuis e em estado vegetativo. Será que era alguma espécie de vírus zumbi? Fiquei perguntando-me quando uma moça loira se aproximou e começou a explicar o que estava acontecendo.
— O veneno utilizado causa enorme desconforto, então é melhor irem logo.
Ela sorriu ao observar as expressões dos campistas que a ouviam, inclusive a minha. Que vadia! Tanta desgraça acontecendo no mundo e ela vai e envenena as pessoas por diversão? Eu suspirei, enfurecido, preparando-me para dar o fora dali.
Mas então avistei July, deitada em uma das macas, no mesmo estado que os outros. Que decisão difícil. Será que eu deveria salvar minha irmã? Suspirei e revirei os olhos, que chatice.
— Eu ocultei os frascos com a cura desse veneno em pontos estratégicos do Acampamento. Encontrem-nos e salvem as pessoas que vocês amam... — ela lançou um olhar frio aos semideuses internados. — Ou peguem uma cadeira e assistam seu sofrimento por horas até a poção perder o efeito.
Eu estava pronto para voar no pescoço daquela vadia, mas preferi me controlar. Se ela fora capaz de deixar todo mundo daquele jeito, o que poderia fazer comigo? Um excelentíssimo senhor bosta?
Revirei os olhos e saí da enfermaria, sentando-me em um banco de uma pracinha que havia ali perto. Vi todos os semideuses que haviam sido convocados saindo, aos tropeços, desesperados para achar logo o antídoto.
Era evidente que ela não poderia matar ninguém, mortes eram proibidas no acampamento, se ela o fizesse seria expulsa. Ou seja: tinha de haver uma solução e não era necessário pressa para tal, por que, se ela não poderia matar a todos, tinha de fazer um antídoto para todos. Se haviam X campistas internados, haveria um número X de antídotos para curá-los, e, caso alguém não conseguisse encontrar e fracassasse em sua missão, ela deveria ter um frasco extra para salvar o azarado.
Pensando dessa forma conseguimos formar uma simples equação onde X é o número de campistas e Y o número de antídotos, logo, temos: X=Y².
Se haviam cerca de oito semideuses internados, ela deveria, obrigatoriamente ter espalhado oito antídotos, além de ter mais oito por segurança, caso ninguém achasse nada.
Número possível de antídotos: confere.
Agora vejamos: se existem cerca de oito antídotos espalhados pelo acampamento, e, segundo ela, em pontos estratégicos, podemos pensar em oito localidades distintas, e, provavelmente, as mais óbvias por serem mais frequentadas…
Podemos citar, com esse raciocínio: a casa grande, por ser o ponto principal do acampamento. Onde, dentro de lá, seria outra história, porém, pequeno o bastante para conseguir procurar. O lago, bastante frequentado por quem quer treinar canoagem e para quem quer namorar. A floresta, onde resguardavam vários monstros, esse é melhor não. Os chalés, mas quais? A parede de escalada, uma boa pedida. O refeitório, porém, extenso demais. A praia, mas, igualmente extensa. O anfiteatro e o pinheiro. Oito possíveis lugares.
Agora precisamos ver quais mais fáceis de se achar um frasco. Ou seja: os menores. A casa grande, os chalés e a parede de escalada. Ok, conseguimos diminuir bastante a lista. Mas ainda não está bom.
No caso dos chalés, poderia tanto estar dentro do meu chalé quanto de qualquer outro. E tendo 26 chalés no acampamento, não era algo que nós pudéssemos cogitar. Portanto, nada de chalés.
Sobram duas localidades: a parede de escalada e a casa grande. Agora precisamos avaliar quanto ao perigo. A parede de escalada, por si só, já é demasiadamente difícil, mas, claramente já sabemos onde o frasco possa estar: por trás de alguma pedra solta ou no topo. Os lugares para procurar são menores. Porém, a casa grande é demasiadamente mais segura, no entanto, bem maior.
Segurança ou facilidade? Eis a questão.
Passei a mão pelos meus cabelos e só então me dei conta que o sol já começava a baixar. Quanto tempo eu havia ficado ali, sentado? Deuses! Pensar, com certeza, não era para uma prole de Hipnos.
Estando próximo da enfermaria, o lugar mais perto é a casa grande. Vamos para lá.
***
Era estranha a forma que Hylla havia planejado as coisas, aparentemente não havia ninguém na casa grande. Bati várias vezes e ninguém respondeu. Mas isso também era algo bom: sinal de que não havia ninguém ido lá ainda.
Eu estava abrindo a porta da casa quando senti uma mão no meu ombro, já imaginei que fosse Quíron e que eu seria repreendido mas quando me virei percebi que era Ethan, de Hécate.
— O que você tá fazendo, cara? — Perguntou.
— Eu? Nada. — Sorri sem jeito, como uma criança quando é pega em flagrante.
— Vamos jogar vôlei? Só falta um jogador para completar o time.
Vôlei? Ethan deveria estar de brincadeira. Ele sabia muito bem que eu odiava todo e qualquer esporte que me fizesse pensar ou me locomover.
— Não vai dar não. — Falei e virei-me para entrar na casa grande.
Ethan, no entanto, segurou meu braço de forma firme e segura, olhando-me com seriedade que eu nunca havia visto em seu rosto.
— Ethan, o que você tá fazendo? — Falei, puxando meu braço. — Me solte!
Ele não queria me soltar. Bendita hora em que eu resolvi sair do chalé sem minhas armas. Revirei os olhos e tentei puxar meu braço de novo, mas Ethan estava determinado a não me deixar entrar. O que acabou por confirmar minha teoria: deveria ter algo lá dentro.
Resolvi fechar os olhos e concentrar-me apenas nas batidas do meu coração. Quando comecei a falar novamente, minha voz estava tão baixa e suave como o farfalhar das folhas ao vento.
— Ethan, você não vai me segurar. Suas mãos estão pesadas, seu corpo inteiro está pesado, é como se o próprio solo o atraísse e você sente vontade de se deitar e apenas dormir. Você está cansado, está com sono, com muito sono…
A princípio, nada estava acontecendo, mas, no instante seguinte, Ethan começou a fraquejar e ir de encontro ao chão, adormecido.
Eu sorri em vitória, já tinha visto July fazer isso, mas, particularmente, nunca havia feito. Arrumei o corpo de Ethan no chão e me virei para a porta da casa grande, adentrando e, em seguida, trancando, para que um Ethan 2.0 não viesse encher meu saco.
Olhei para a sala a minha frente e ergui as sobrancelhas. Onde eu esconderia um frasco? Com certeza não seriam em lugares óbvios: sala de estar? Não. Sala de Quíron? Não. Cozinha? Talvez. Quartos? Melhor não. E sótão. Uma boa pedida.
Mas aquela múmia… Melhor começar pela cozinha.
Corri até a cozinha e abri a porta do lugar. Deparei-me com uma mesa branca ao centro e, mais a frente, um grande painel de armários, embutidos próximos a geladeira e ao fogão.
Fui em direção a eles e comecei a abrir as portas: bolachas, louça, temperos (tive de cheirar todos para saber se o antídoto não estava escondido), estoque de diet coke, é, nada por ali. Abri a porta da geladeira e vi apenas uma porção de frutas, enchiladas e ovos. Nada também.
Fechei a porta da geladeira e me praguejei. Só restava um lugar a se procurar: o sótão. Resmunguei e corri para as escadas, subindo os degraus de dois em dois. Abri a portinhola e a escada de corda caiu, subi nela em seguida.
O sótão estava bem escuro, então procurei por algum interruptor: sem sucesso. Caminhei, então, até a janela e abri a persiana, fazendo um fraco feixe de luz adentrar por ali e me fazer tomar um susto com a múmia me olhando de forma serena, provavelmente querendo marcar um encontro.
Pilhas e pilhas de caixas se amontoavam ali, seria demasiadamente difícil encontrar o frasco, e, pior ainda: podia estar disfarçado. Como encontrar uma coisa em meio a tantas coisas velhas?
Coisas velhas? Sim, coisas velhas! Era isso! Se as coisas que estavam guardadas ali no sótão eram tão antigas quanto eu pensava que eram, as recém colocadas estariam, no mínimo, mais novas e com menos pó. Se alguém havia mexido ali a pouco tempo…
Me levantei e comecei a investigar as caixas e os objetos presentes ali. A maioria já estava praticamente entrando em decomposição de tão velhos, mas ignorei. Estar na presença de uma múmia, era, com certeza, pior.
Foi então que vi uma caixa de souvenirs do anos oitenta um pouco afastada: a trilha de pó no chão revelava isso. Fui até lá e puxei a caixa de volta, abrindo-a. Haviam várias coisas: uma carteira de cigarros mofada, uma peruca do David Bowie, três Lp’s do Queen, uma bola de basquete furada, um perfume… Pera, um perfume?
Peguei aquele frasco e o virei em minha mão. Não havia nenhum nome, apenas o líquido transparente dentro de um vidro com tampa. Será que poderia ser? Abri o frasco e cheirei seu conteúdo: sem odor nem perfume. Com certeza era aquilo.
Pus as coisas de volta na caixa e a empurrei para o seu lugar de antes. Coloquei o frasco no bolso e virei-me para sair dali, foi então que vi um campista filho de Hermes me observando, o tinha visto na enfermaria antes de sair mas não imaginaria nunca que ele viria atrás de mim.
— Vamos lá, Scar. Passa o frasco e ninguém se machuca. — Sorriu com aquela expressão élfica diabólica.
Rangi os dentes e olhei a minha volta, procurando alguma solução e sorri ao deparar-me com ela. Peguei a múmia com uma só mão, me surpreendendo ao sentir o quão leve ela era, e a atirei em cima da prole de Hermes.
— Pega pra tu!
Aproveitando a distração, corri em direção a portinhola e passei por lá, fechando-a na saída. Corri pela escadaria e saí da casa grande.
Quando cheguei na enfermaria estava vermelho e ofegante, mas entreguei o frasco para Hylla, esperando não ter errado na escolha.
- Poderes:
Level 01 - Sonolência Inicial
Você pode causar uma leve sonolência no inimigo, mas o efeito não será tão grande, apenas retardando o golpe. Dura dois turnos.
Hipnose Inicial
Os filhos de Hipnos podem fazer com que qualquer criatura ou semideus fique à sua vontade, porém apenas um por vez. Mas vai exigir muita concentração (Dura 2 rodadas).
Level 01 - Dormência
Através de sua voz suave poderá causar uma dormência (uma paralisação) no adversário, os movimentos dele ficarão um pouco mais lentos. Dura dois turnos.
Inteligência anormal
Os filhos do deus do sono, possuem uma inteligência acima da média, assim como um raciocínio lógico bem elevado. Algo muito útil em batalhas.